Anvisa rejeita medicamento essencial para tratamento do câncer

69602_ext_arquivoApós quase quatro anos na fila, o registro do medicamento Revlimid foi indeferido pela ANVISA, na última terça-feira, dia 18/12. Pela segunda vez, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária rejeitou a utilização da substância no país.

O Revlimid, cujo princípio ativo é a lenalidomida, é utilizado em mais de 80 países no tratamento de pacientes portadores da síndrome mielodisplásica e de mieloma múltiplo, tipo de câncer no sangue.

“O paciente brasileiro de mieloma múltiplo é subtratado no País, pois recebe tratamento inferior ao oferecido em outros países, inclusive sul-americanos”, afirma o oncohematologista Angelo Maiolino, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ele explica que, diferentemente de outras doenças do sangue como linfoma, cujos pacientes podem ser tratados com um único medicamento, a recuperação dos pacientes com mieloma é feita por meio de uma combinação de vários deles, como dexametasona, ciclofosfamida, lenalidomida e bortezomibe, entre outros.

Maiolino, que é diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e presidente da Associação Ítalo Brasileira de Hematologia, sediada em Gênova, Itália, diz que em vários países a lenalidomida já é usada como primeira opção para tratamento de pacientes com mieloma. O especialista ressalta ainda que, no Brasil, a solicitação de registro é para pacientes que tiverem recaída ou que não conseguem benefícios com a talidomida, considerada muito tóxica. “Mas nem as evidências científicas apresentadas foram sufic ientes para aprovação”, salienta.

Já para os portadores da Síndrome Mielodisplásica, a lenalidomida é o único medicamento que comprovadamente elimina a necessidade das constantes transfusões de sangue.

Repercussão desanimadora

A notícia da reprovação do Revlimid desanimou os pacientes. Muitos que precisam da medicação recorrem às vias judiciais. Segundo os médicos que receitam a droga, esse caminho é muito mais custoso para o Estado do que aprová-la. “O que nos preocupa é que estamos entrando em um processo de judicialização da saúde em vários estados. Eu, por exemplo, tenho ao menos 13 pacientes que recebem a lenalidomida por essa via”, ressalta a médica Silvia M. M. de Magalhães, professora adjunta da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O engenheiro Raimundo Bruzzi, que obtém a medicação por essas vias, comentou sua insatisfação nas redes sociais. “Fico muito entristecido, muito mal. O FDA está prestes a aprovar uma nova geração de remédios para a doença e nós ainda estamos presos, tentando garantir que tenhamos o direito de receber a lenalidomida.”

Há 80 dias, a aposentada Marlene Celestino Gonçalves, 61, de São Bernardo do Campo (SP), passou pelo segundo transplante de medula óssea e tem que tomar o medicamento. “É muito difícil essa situação, tive que entrar na justiça. Minha advogada, uma amiga pessoal, batalhou por mim sem cobrar nada e conseguiu comprovar que disso dependia a minha vida e o último transplante que acabei de fazer. Acredito que nós, os pacientes, devemos nos unir e ir em caravana até Brasília falar disso com os governantes”, declara.

O advogado Rogério de Souza Oliveira, 42, também de São Bernardo do Campo, se diz completamente indignado. “Para muitos pacientes, a lenalidomida é hoje a única alternativa para tratamento e controle da doença, isso é um retrocesso. Enquanto em outros países já estão em uso novas drogas, não temos sequer a lenalidomida. Para mim, esse entrave é meramente de cunho político-financeiro e quem paga essa amarga conta é o paciente”, declara ele, há um ano diagnosticado com mieloma.

“Contra o mundo”

Para Christine Battistini, presidente da International Myeloma Foundation Latin America, instituição de apoio a familiares e pacientes da doença, a decisão da Anvisa é arbitrária e sem fundamento. “Em nome da IMF, eu acho a decisão inadmissível. Dizem que não existem estudos que comprovem a eficácia, mas é exatamente o contrário, senão não estaria sendo usado há sete anos nos Estados Unidos. A Anvisa vai contra o resto do mundo, já que os principais países já aprovaram seu uso. Nós da IMF estamos indignados e não vamos aceitar essa decis&a tilde;o. Em nome dos pacientes, vamos continuar brigando pela aprovação do medicamento”.

A Abrale – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia pretende enviar as avaliações e evidências da eficácia da lenalidomida para um instituto independente para que elas sejam consolidadas e posteriormente encaminhadas à Anvisa. “Esperamos não precisar que um político sofra dessa doença para que haja a sensibilização. É uma falta de respeito à vida, nem que fossem dez pessoas que fossem salvas, esse medicamento deveria ser aprovado. Acabo de voltar do ASH – American Society of Hematology, maior congresso de hematologia do mundo, onde percebemos a discrepância. Há &nbsp ;estudos de quatro ou cinco novas substâncias e, no Brasil, não podemos usar um medicamento que é padrão em outros países”, diz Merula Steagall, presidente.

Recentemente, o International Myeloma Working Group, formado pelos 130 maiores especialistas em mieloma do mundo – os brasileiros Angelo Maiolino, Carmino Antonio de Souza e Vania Hungria estão entre os integrantes –, encaminhou documento ao governo brasileiro, confirmando a necessidade de incluir a lenalidomida no arsenal terapêutico disponível para esses pacientes, a maioria com mais de 50 anos de idade.

“É um absurdo o descaso da Anvisa com os médicos e com os pacientes”, desabafa a oncohematologista Vania Hungria, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Segundo ela, foram enviados para a diretoria da Anvisa estudos publicados pelas mais renomadas revistas científicas do mundo como New England Journal of Medicine, Blood e Haematologica, entre outras, que confirmam a eficácia do uso da combinação das drogas. “Eles se acham acima das agências reguladoras como FDA, dos Estados Unidos, e EMEA, na Europa. O FDA aprovou o uso da lenalidomida em 2005”, acrescenta a médica.

Estudos que apontam a melhoria contínua na sobrevivência do paciente com mieloma múltiplo e o impacto da lenalidomida nesse contexto foram apresentados no maior congresso do mundo de hematologia, o ASH - American Society of Hematology, no início do mês, em Atlanta, EUA. Entre os autores se destacam Paul Richardson, Shaji K. Kumar, Antonio Palumbo e Alan List.

Fonte: 180 Graus

Postagens populares